quinta-feira, 28 de janeiro de 2010


O dia era de sol e o clima era agradável. Eu quase podia sentir a criatividade sendo exalada de todos os cantos da sala, de mim mesmo, de você. E eu podia ver você com uma clareza absurda quando isso acontecia. Eu podia ver tudo com uma clareza absurda, claro. Era a criatividade agindo em mim, e muito mais. Isso não tem uma explicação lógica para ninguém, porque nessas horas eu só sinto. Você já estava a minha frente, esperando pela minha iniciativa. O quadro estava branco a minha frente, a espera de meu giz pastel.
- Está pronta, minha querida?
- Estou. Posso me despir?
- Claro, minha querida. Por favor.
E desceu o roupão. As linhas tênues de seu corpo revelavam-se como Vênus em sua concha pintada do Botticelli com delicadesa divina. Eu estava ali, sendo iluminado pela luz dos pintores milenares. Eu estava ali, sendo iluminado pela minha própria luz. Eu estava ali, sendo iluminado pela sua luz. E eu adorava sentir essa sensação.
Abri meu estojo, deixando todas as cores a mostra do sol. Elas brilhavam, ansiosas por serem usadas, expandidas, violadas. Um estojo novo para um quadro único e novo. Uma experiência unica. O quadro estava pronto. Eu estava pronto. Respirei fundo e comecei. Deslizei pelo fundo da pintura, mergulhando pelos tons claros que eu misturava e amava. Ameacei chegar até onde sua figura deveria estar, mas detinha-me a cada detalhe, a cada momento. Não existe perfeição para nenhum pintor, só existe a admiração e a beleza de reconhecer que sua arte é viva, e respira como qualquer ser criado.
Seus contornos eram fáceis de fazer, quase não precisei usar meus dedos para espalhar o pastel sobre a tela. Pintava com suavidade e força ao mesmo tempo, querendo marcar em cada detalhe, cada instante ali, um sentimento diferente, uma luz diferente. E eu podia sentir que tudo ali se conectava. As cores, as linhas, as sombras, tudo se unia e formava algo maior. E eu era o responsável por isso. Eu criara isso. Eu estava ali criando e desenvolvendo o melhor de mim em ti, transparecendo em pastel e quadro.
O quadro tomava forma. A figura tomava forma. Você tomava forma. E eu ia cada vez mais entrando em transe, reproduzindo o amor e a luz que vinham de você, que refletiam em mim, e que espiralava para o mundo e para o quadro.
- Está pronto.
Um roupão reposto e você se aproximou, transpassando seu braço no meu em sinal de carinho.
- É lindo.
- Sim. É lindo.
E ali, ficamos admirando o quadro pintado. Porque, não bastavam alguns segundos para decorar detalhes, reconhecer técnicas ou texturas ou cores. Ali era preciso identificar os sentimentos, o brilho, a chama. Ali, eu estava pintando-a em pastel, ao mesmo tempo que pintava a mim mesmo. E no final só podia esboçar uma reação em meu corpo.
Eu sorri.

Um comentário:

  1. A profundidade, o sentimento, a delicadeza... Magnífico.

    Saudades de você.

    ;*

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