quinta-feira, 7 de maio de 2009

Ver O Que Eu Vejo.

"Era confortável estar naquela posição, dia após dia, no mesmo horário. Era só ficar sentada naquele banco vendo as pessoas passarem por aquele parque esverdeado e luminoso. Alegrias e tristezas eu já havia visto naquele lugar, e isso chegava a excitar-me. Tragou de novo meu cigarro negro sentindo a fumaça tóxica chegar primeiro a minha boca, depois aspirada até meus pulmões, matando-os aos poucos. Era delicioso. Delicioso porque sabia que não duraria muito mais tempo ali, e isso era bom. Não me importava de morrer mais cedo, ou talvez mais tarde, tanto faz. Morrer é bom. Morrer dá um fim a uma jornada. Logo se inicia outra. As crianças corriam de um lado para o outro, elevando pipas no ar, chutando bolas, carregando baldes de areia e instrumentos para cavar nas mãos. Outras simplesmente corriam umas das outras, como um bando de herbívoros fugindo de um carnívoro faminto. As mães estavam ali, observando de longe, ou de perto, o movimento de suas crias. Casais namoravam, andavam de mãos dadas, tiravam fotos, comiam em seus piqueniques particulares. Casais de idosos caminhando na esperança de manter seus corações batendo, vivos e quentes. E eu estava ali. Observava tudo e a tudo eu adorava. Era lindo o movimento que eu via nas pessoas naquele parque. Elas dançavam num ritmo frenético em alguns momentos, só para logo depois, arfantes, voltarem a movimentos leves e ritmados, quase suaves como o vento que leva a pluma. Eu via uma grande esfera de movimentos, de vida, de amor ali. O sol cada dia brilhava mais, às vezes encoberto pelas nuvens, mas nem todo rei tem dias de glória. O sons me hipnotizavam por horas. Escutava sons de pássaros cantando, assoviando, dizendo uns aos outros o que fazer, onde caçar. Ouvia às pessoas discutindo levemente, dizendo palavras e versos de amor, falas secas e curtas de reprovação. Podia até ouvir um sussurro que julgava ser a fala secreta das árvores, sempre calmas e serenas oferecendo conselhos a quem ainda pudesse ouvir. Mas, tudo aquilo era uma película que envolvia o círculo que eu via. Parecia fina, leve, fraca. Mas era forte, voraz, e em determinados momentos engolia a tudo e a todos, por alguns segundos. E por alguns segundos eu não escutava ou via nada, para logo depois voltar a ver e ouvir o que eu sempre ouvi e vi. A cada passo que eu dava quando me levantava do banco de sempre, eu sentia a terra sob meus pés, mesmo estando calçada. Sentia o vento lamber e fazer carinhos em minha face, em meus braços desnudos, em meus seios em meu decote e em meus cabelos longos e negros. E eu sorria por isso. A cada árvore que eu tocava, eu sentia uma força descomunal vir até mim, como cavalos ferozes e indomáveis que percorriam meu corpo. Eu sentia uma euforia fora de série quando sentia isso. Enchia meus pulmões debilitados de ar fresco e sentia que poderia voar a qualquer momento. Sabendo alguns segundos depois que não podia realizar tal façanha, continuava a andar. Vez ou outra, uma criança vinha a mim e segurava minha mão e me levava a cantos do parque mais distantes, e logo me trazia para onde eu estava. Eu sorria e tinha plena certeza que sorria de forma muito convidativa e agradecida, pois via o sorriso sincero no rosto de cada criança que me guiou. Aquilo me fazia sentir como se fosse muito grande novamente, mas logo depois eu percebia que não era. Eu nem chegava perto de ser grande. Eu era pequenina e simples. Era só parte da engrenagem que movia um grande relógio, um grande círculo poderoso ao qual todos fazem parte. E quando voltava a meu banco e me sentava novamente, eu sempre me questionava. Eu deveria ver aquilo? Eu deveria ser premiada a ver aquilo? Eu deveria estar ali, todos os dias, vendo e sentindo aquilo? Exercitando sentidos que eu duvidara poder utilizar daquela forma? Mas, logo eu parava de me questionar. Para que fazer tal coisa? Tudo aquilo existia e era só isso que me bastava. Tudo aquilo me bastava, porque mesmo sendo cega dos olhos humanos, eu podia ver com os olhos de minha alma, com os olhos de meu coração. Nada se iguala a ter olhos gigantes e indestrutíveis. Nada se compara em tamanho êxtase do que ver o que eu vejo."

-Fazia tempo que eu não escrevia algo assim, foi reconfortante.
-Sim, a personagem é no feminino, me inspirei em algumas pessoas especiais, elas saberão quem são.

2 comentários:

  1. "Parecia fina, leve, fraca. Mas era forte, voraz, e em determinados momentos engolia a tudo e a todos, por alguns segundos. E por alguns segundos eu não escutava ou via nada, para logo depois voltar a ver e ouvir o que eu sempre ouvi e vi."

    "Tudo aquilo existia e era só isso que me bastava. Tudo aquilo me bastava, porque mesmo sendo cega dos olhos humanos, eu podia ver com os olhos de minha alma, com os olhos de meu coração. Nada se iguala a ter olhos gigantes e indestrutíveis. Nada se compara em tamanho êxtase do que ver o que eu vejo."

    A pessoa, como sempre, escrevendo e descrevendo divinamente. A cada dia me orgulhando mais de deixá-la escorregar para minha vidinha vazia.

    te amo demais! ♥

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  2. Engraçado que eu tenho blog há uns 7 meses, e eu já vim aqui antes, só que não te conhecia e agora, meu deus hein cu u.u SAIUHASUI
    obrigada de novo pelo texto amor, toda vez que leio me arrepio *-*

    te amo muito x3

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